Tuesday, October 09, 2007

Verdades femininas

Elas tinham combinado de almoçar no sábado, mas três delas acordaram de ressaca e uma delas insistia em não atender o celular. "Deve estar dando para algum cara desconhecido" pensou Clara enquanto tentava ligar para Ana pela quinta vez. Depois do sinal chamar três vezes, desistiu. Já eram três da tarde e ela estava com fome.
Quando foi abrir a geladeira para procurar alguma fruta perdida ou iogurte vencido seu celular tocou. Era Cláudia, uma das outras amigas do almoço furado.
_Vamos comer, vamos. Vou passar na casa da Letícia depois passo aí. Tu ligas para Ana?
_Já liguei para Ana mais de cinco vezes. Ela não atende o celular.
_ Humpf! Deve estar dando para algum cara desconhecido. – Cláudia falou o que Clara não teve coragem de dizer em voz alta.
Cláudia encostou o carro popular que dividia com a mãe em frente ao prédio de Clara uns 20 minutos depois da conversa. Durante esse meio tempo, Clara trocou de roupa umas 10 vezes, alternando saia florida com blusa preta, blusa preta com calça jeans, calça jeans com blusa branca e por fim blusa branca com saia florida.
Verdade feminina número um: armários podem ser os melhores e os piores amigos de uma garota, não importa o número de roupas que ele guarde.
Quando Clara entrou no carro, Letícia comentou, sem maldade e quase resignada:
_O dia que não esperarmos tu trocares trocentas vezes de roupa, vou achar que tu foste abduzida e trocaram teu corpo por um ET.
- Hahaha, engraçadinha. Vocês têm que me aceitar como amiga na alegria e na doença, tá?
_Elelê, calma lá - gritou Cláudia enquanto acendia um cigarro. Não penso nem em casar com homem, que dirá fazer juramento eterno com mulher.

**************


As três partiram rumo ao bairro boêmio da cidade, que durante o dia se tornava um lugar cool e quase família. Os bares que há poucas horas estavam lotados de bêbados, agora recebiam famílias neo hippies e jovens casais alternativos.
O garçom chegou e as gurias pediram em coro cocas-diet com gelo e limão, receita infalível para curar a ressaca. Para comer, pediram uma porção de polenta, filé aperitivo e salada. Típicas mulheres que eram, tinham a esperança de se encher de salada e esquecer da polenta. Quase sempre acontecia ao contrário: a salada era deixada de lado e novas porções de polenta eram pedidas.
As quatro – as três do bar mais a amiga "desaparecida" – se reuniam quase sempre nas tardes de sábado para falar da vida, de homens e de sexo. Não, não as confunda com as voluptuosas, chiques e experientes mulheres de Sex and City, com seus quase quarenta anos e cheias de experiências sexuais. Essas amigas eram jovens adultas, recém formadas, em seus primeiros empregos remunerados e ainda imaturas em seus relacionamentos.
Se conheciam há uns dez anos, quando ainda estavam dando seus primeiros beijos. Durante essa década de amizade, passaram por namoros, perdas de virgindade, traições, abandonos, pés-na-bunda e outras coisas mais. Os pais de uma se separam, a avó preferida da outra morreu. Uma amiga de todas teve que fazer um aborto, de um namorado desnecessário do final da adolescência. Todos dramas enfrentados com a ajuda uma das outras.
Letícia pediu a palavra assim que tomou seu primeiro gole de refrigerante e se sentiu acordada e recuperada suficiente para falar da noite anterior:


_ Então, eu e o Diego transamos ontem de noite.
_ Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
Um grito coletivo tomou conta da mesa. Letícia tinha sido a última das amigas a perder a virgindade e era retraída sexualmente. Tinha mil e uma encanações, vergonhas e travas. Se achava pouco sexy e atraente. Tudo invenção da sua cabeça: Letícia era magra, tinha lindos cabelos lisos e castanhos, com um corte pelo ombro, peitos bem avantajados e um tipo verdadeiramente intelectual que fazia dezenas de homens ficarem de quatro.


_ Conta tudo! – disseram as outras duas amigas em coro, ao mesmo tempo que o celular de Clara tocou.
_ Ah, é a Ana. Oi Ana? Onde tu está, sua louca? Ahã? Quê? Está bem, está bem. Me escuta: estamos no Pingüim num almoço tardio. Vem para cá que a Letícia finalmente deu para o Diego ontem!
Clara desligou o celular, revirou os olhos e fez o resumo. Sim, ela estava com um cara desconhecido. Sim, ela tinha transado com ele. Não, ela não sabia direito quem era o cara. Mas ela queria saber tudo da Letícia e do Diego, então ia encontrar as amigas no bar.
Letícia respirou fundo. Devia esperar Ana chegar para contar a história? Não, não de jeito nenhum!!! Ela que contasse a história duas vezes, pois as amigas estavam ansiosas.

_Ok. Depois da balada, ele falou que ia me dar carona para casa. Aproveitei que estava bêbada e soltei um "porque não vamos para a tua?". Ele me olhou um pouco assuntado, mas concordou, com um leve sorriso nos lábios. Quando chegamos no apartamento dele, quase mudei de idéia: logo na entrada, tropecei num carrinho de corrida, que fez um barulhão. Pensei que ele podia ter um filho, sei lá. Mas era pior: aquele carrinho era do irmão de nove anos. Sim, ele me levou para a casa dos pais dele. E os velhos estavam lá!
_ Puta que pariu, é brincadeira isso, né? Porque o cara não te levou para um motel, sei lá?
_ Ah, não sei. Acho que se ele falasse "vamos para um motel?" eu diria que não. Mas enfim, quando descobri que os pais dele estavam em casa eu surtei. Falei que ia embora, que não ia ter coragem de ficar lá. Mas não sei se era porque eu estava bêbada, com tesão, ou quê. Sei que ele me convenceu a ficar. E fomos para o quarto dele.
_ Oi amigaaas!
Ana tinha chegado no bar, para interromper o melhor da história.
_ Como tu chegou tão rápido aqui? – quis saber Clara.
_ Ah, o Rodrigo me trouxe.
_ E quem vem a ser o Rodrigo?
_ O cara que eu fiquei ontem, né?
As outras três fizeram um "aahhhh" coletivo e Cláudia completou:
_ Está bem, esse Rodrigo pode ser a segunda história da tarde. Agora estamos falando da Letícia e do Diego.
_Ah! Jura? Conta de novo! O que eu perdi?
_ Ela intimou o cara para transar e ele a levou para a casa dos pais dele.
_ Quê???
_ Calma, não foi bem assim.
Letícia repetiu uma versão mais curta da história, engatou para a ida dos dois ao quarto, as roupas sendo jogadas no chão e começo das preliminares.
_ Ele te tocou? Fez sexo oral? Tu gozou? _ Clara estava ansiosa por detalhes. Nutria uma certa preocupação com a relação da amiga com o sexo. Achava que toda a encanação dela a fazia perder a melhor parte.
_ Ahh, ele me tocou. Foi beeem bom, mas eu não sei se eu gozei, não. E depois, na hora do sexo...
_ Ai, Lê, o que aconteceu? Não me diz que o guri broxou? – perguntou Cláudia, que sempre previa o pior.
_ Não, não. Mas talvez fosse até melhor. Porque ele demorou, viu?
_ Como assim demorou?
_Ah, sei lá. Pareceu que ele ficou hooooooooooras em cima de mim. Juro! Deu até tédio. Um certo momento eu vi uma cutícula saltando na minha unha, fiquei pensando se tinha alicate e lixa na bolsa para dar um jeito quando ele saísse de cima de mim. Ou seja: ele demorou tanto para gozar que eu fique ausente.
_ Ai, amiga, que triste. Mas ele não viu que tu estavas entediada, não tentou te animar?
_ Pior que não, viu? Ah, mas eu até entendo ele, na hora que estamos lá, no clímax, a gente pensa que a outra pessoa está curtindo também, né? E quer saber no outro dia de manhã, ele foi tão fofo comigo, me levou café da manhã na cama e tudo.
Verdade feminina número dois: uma boa parte das mulheres prefere carinho na manhã seguinte do que satisfação na hora do sexo.
_ Espera, e a pergunta mais importante do dia: como tu fez para sair sem ser vista pela família dele?
Letícia ficou com as maçãs do rosto vermelhas quando disse que aproveitou o banho da mãe, a distração do pai vendo o jogo e ausência do irmão para sair, pé ante pé, pela saída de serviço.
Na saída do prédio, ainda teve que ouvir um "bom dia" do porteiro. Olhou no relógio, viu que eram 9 da manhã e sentiu uma pontada dor de cabeça, primeiro sinal da ressaca que sentiria durante aquele dia. Catou seus óculos escuros na bolsa e ao colocá-los nos rosto retrucou o porteiro:
_ Bom dia pra quem?

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Letícia mal terminou sua história e Ana começou a dela. Mas para aquele grupo de amigas, as aventuras sexuais da jovem advogada eram um tanto entediantes e até revoltantes. Quase sempre era a mesma coisa. Ela ia para a balada com a virilha em chamas. Sério, estava para nascer uma mulher com o desejo sexual mais forte que o dela. Quase toda a semana era a mesma coisa e naquela não parecia ter sido diferente. Ana bebeu algumas a mais, se encantou por cara e soltou uma isca certeira para ele. Esse era uma dos méritos dela. Ela sabia escolher o cara exato para satisfazer os seus desejos sexuais. As amigas nunca souberam qual era a tática. Ela não escolhia os com cara de mais tarados ou os mais bonitos. Mas ela sempre sabia escolher os que estavam a fim de a acompanhar em suas maratonas sexuais.
Na noite anterior, Ana e o tal Rodrigo beberam juntos até ás 5 da manhã. Fecharam o primeiro bar às 4h. As amigas foram para a casa e ela arranjou forças para ir com o pretê para o bar seguinte, onde ficou até a hora que os dois foram para o apartamento dela. Transaram, gozaram, trocaram muitas carícias, mas não intimidades nem número de telefone. Fim.
As amigas de Ana tinham a teoria que um dos motivos mais fortes que a fizeram sair da casa dos pais era a possibilidade de liberdade sexual completa que ela conquistou com seu apartamento. Decorado de forma cool e despojada, o quarto-e-sala dela devia ter recebido, no mínimo, uns 10 caras, em seu 8 meses como locatária. O prédio dela era pequeno, quase inabitado e sem porteiros para encher o saco. Ana costumava dizer que, isso sim, era liberdade sexual: nenhum homenzinho de uniforme azul contando os caras que entravam e saiam da casa dela.
Ana já tinha tido vários namorados e, mesmo assim, conseguia ser que mais tinha transado com caras diferentes entre as amigas. Entre uma decepção amorosa e outra, chegou a transar com algumas mulheres. Mas descobriu que aquilo não era para ela: sentia falta de um pau. E sentia sempre: duas semanas sem sexo para ela, era uma eternidade.
Às vezes, Clara se sentia estranha ouvindo todas as histórias da amiga. Há uns seis meses, ela tinha passado pelo o que se pode chamar de seca sexual. Entre um final de um caso mega mal resolvido e o primeiro carinha X que ela transou foram mais de onze meses.
Quase um ano, na verdade. Quando faltava uma semana para fechar 365 dias sexo, Clara se desesperou: ligou para um ex-colega da faculdade que sempre dava em cima dela e, na maior cara dura, o convidou para ir ao aniversário de uma amiga-de-uma-amiga qualquer, só com a desculpa de que estava pensando em fazer o mesmo curso de pós que ele em Barcelona e precisava de umas informações.
Verdade feminina número quatro: Sim, as mulheres têm relação afetiva com o sexo. Mas sabem, perfeitamente, usar (e abusar) de um disk-foda quando a situação pede.
O nome do tal ex-colega era Marcelo e ele andava de moto. Clara não sabia se achava aquilo sexy ou brega. Mas sabia que estava precisando fazer sexo, urgentemente. Quando ele ofereceu para buscá-la em casa, Clara agradeceu, mas disse que iria de táxi, os dois se encontrariam lá.
A tal festa da amiga-da-amiga era num pub com ar descolado, mas que só tocava música pop. Logo que Clara chegou, deu de cara com um cara sentando num banquinho, com um violão tocando algum hit dos anos 80. Gostou da música, mas não da voz do cara.
Cumprimentou alguns amigos e conhecidos, sentou, pediu uma cerveja e duas músicas depois o pretê chegou.
Marcelo caminhou até ela meio tímido, reconhecendo o lugar. Clara aproveitou a caminhada do rapaz para observá-lo: estava com uma camisa pólo verde-musgo e a barba por fazer – uma dupla extremamente atrativa na opinião da garota. A avaliação do moço caiu um pouco quando Clara percebeu que ele carregava o capacete embaixo do braço direito. Tinha decretado: definitivamente motoqueiros não eram sexies.
Rapidamente, Clara afastou aqueles pensamentos da cabeça. Naquela noite não importava. O que ela queria era fazer sexo, acabar com sua seca e pronto. Mas de repente, quando o moço sentou a lado dela e começaram a conversar, ela começou a repensar a situação. Ela mal conhecia o cara, será que ia ser bom? Será que ele ia tratá-la bem?

Preocupada com esses pensamentos de ‘mulherzinha’, convidou seu par para tomar uma tequila. Tomaram uma, duas, três. Se beijaram pela primeira vez entre a segunda e a terceira. E quando Marcelo pensou em pedir a quarta, Clara sugeriu que pagassem a conta e fossem para a casa dela.

Clara até hoje não sabe se foi a tequila, a sede de sexo que estava ou a potência de Marcelo, mesmo. Ela só sabe que naquele dia quente de verão transou quatro vezes seguidas, quase sem parar. Posições, orais, mordidas e beijos fortes: a noite foi inesquecível.

Adormeceu sozinha depois do banho frio que tomaram juntos. Já eram 8 da manhã quando ele pegou o famigerado capacete e foi para casa. Na cama, ela dormiu com um sorriso nos lábios vendo todas aquelas embalagens de camisinhas jogadas no chão.

Depois daquela noite, desencontros marcaram a história dos dois. Primeiro, Clara viajou por uma semana, a trabalho. Depois ele tirou férias e sumiu por quinze dias. Na última vez que se viram, Clara estava ficando com um cara qualquer e ficou sem jeito de falar com ele.

Nos últimos cinco meses, os dois não se esbarram mais. Mas ao lembrar dessa história, Clara checou a agenda de seu celular, para conferir se ainda tinha o telefone de Marcelo. Só para poder usar, da próxima vez que precisar...

Verdade feminina número quatro: mulheres também guardam uma lista de telefones de caras para ligar, just in case...
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Perdida nas lembranças do Marcelo, Clara nem percebeu quando Cláudia começou a falar sobre seu namoro com o Ricardo. Os dois estavam juntos há quatro meses e ela era única do grupo num relacionamento naquela época.

_ Pô, gurias. Bem que vocês podiam ir num desses churrascos da turma do Ricardo, né? Eu juro que ele tem uns amigos bonitinhos...

_ Ai, Cláudia, não leva a mal não. Eu adoro o Ricardo, mas aquele bando de amigos engenheiros e playboys, eu não agüento, não. – disse Letícia, sendo porta-voz das outras três.

_ Pior é que vocês estão certas. Eu amo o Ricardo, sabe? Mas aqueles amigos dele são uns malas. Sinto tanta falta de vocês... Acho que eu e o Ricardo estamos juntos demais, quase não vejo mais vocês. E além do mais, ando achando ele meio grudento.

_ Cala a boca, Cláudia! Não vai ter mais um ataque de insegurança e desejo irreal de voltar a ser solteira. Tu estás com um cara que tu amas e que te ama. É tudo que a gente fica procurando, noite após noite nessas baladas... – sentenciou Clara, deixando a amiga reflexiva.

Verdade feminina número cinco: Mulheres têm tanto medo de relacionamentos quantos os homens.

Naquela noite de sábado as amigas não saíram juntas. Clara e Letícia foram a um bar de jazz. Clara até tentou, mas não teve coragem de ligar para Marcelo. Lê recebeu uma carinhosa e promissora mensagem em seu celular, enviada por Diego. Cláudia decidiu ficar em casa vendo um filme com Ricardo. Já Ana ainda estava pensando no que fazer. As amigas a convidaram para o bar de jazz. Mas ficar sentada num lugar contemplativo ao sm de uma música quase introspectiva não fazia nem um pouco o estilo dela. Quando o relógio bateu a meia-noite não teve dúvida: colocou se vestido preto decotado de guerra e foi para alguma balada sozinha.

Verdade feminina número seis: carência é a pior inimiga das mulheres.

*** Bárbara dos Anjos Lima (15 de setembro de 2007)

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